Por: A-yá Kukamíria
Prólogo: OGA Vozes — Amplificando a Cura das Margens
A iniciativa OGA Vozes nasce da convicção de que a transformação profunda do mundo reside nas narrativas que foram historicamente silenciadas. É um espaço dedicado a amplificar vozes marginalizadas, ancestrais e insurgentes — de povos originários, quilombolas, comunidades tradicionais e ativistas que resistem, curam e transformam o mundo a partir das margens. O projeto busca decolonizar o olhar, construindo pontes entre saberes ancestrais e o debate contemporâneo, para que a sabedoria da floresta e dos povos tradicionais se torne a bússola para um futuro mais justo e equilibrado para todas as pessoas. O relato a seguir é um desses ecos de cura e resistência.
Sou A-yá Kukamíria.
Sou Majé da minha geração, o feminino de Pajé — um termo que, por muito tempo, foi silenciado pela história. Durante séculos, nós, mulheres medicina, fomos chamadas de pajés por proteção, para não sermos perseguidas pelas forças religiosas que temiam o nosso poder. Hoje, recupero esse nome ancestral e digo, com toda a consciência: sou Majé.
Carrego comigo a força das minhas ancestrais. Sou o membro mais novo do conselho do povo Kukama – Kukamíria, da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, onde as águas se encontram e os espíritos se cruzam. Sou mulher medicina, curandeira, parteira, benzedeira, raizeira e também formada em psicanálise xamânica — uma forma de integrar a sabedoria ancestral ao cuidado contemporâneo da alma.
Viajo por todo o Brasil levando a medicina tradicional — a verdadeira medicina indígena brasileira. Atendo pessoas com doenças físicas e espirituais, de miomas e infecções a desequilíbrios da alma. Uso os saberes da floresta, as ervas, os cânticos, as danças, os instrumentos e o som da terra. Tudo isso é cura. Tudo é energia.
Sou embaixadora das águas do estado do Amazonas, e minha missão é levar a força dos rios para quem precisa lembrar que tudo na vida flui. Minhas mãos tocam corpos, mas também histórias. E quando eu curo, eu reverbero a voz de muitas mulheres que vieram antes de mim — mulheres que curaram em silêncio, escondidas, por amor à vida.
Vivo entre aldeias e cidades, para disseminar saberes ancestrais e construir pontes. Nas cidades, crio projetos de hortas medicinais em comunidades indígenas, quilombolas e zonas de risco. Ensinar as pessoas a cultivar sua própria medicina é um ato de soberania. É permitir que cada um tenha acesso à cura dentro de casa, à autonomia sobre o corpo e o espírito.
Durante a pandemia, não parei um só dia. Enquanto o mundo se fechava, nós — curandeiras e curadores — fomos chamados para ajudar. O que curava aqui, eu compartilhava com outras aldeias, e assim nossa medicina caminhava pelas redes vivas da floresta. Essa é a força da sabedoria ancestral: ela se espalha como raiz, não como mercadoria.
Faço partos desde os meus dez anos. Aprendi com minha bisavó, minha avó e minha mãe. Elas são tudo o que sou. O dom não é meu; é delas, é do povo. Quando ajudo uma vida a nascer, sinto que a floresta respira comigo.
Sou também ativista. Caminho por várias causas dos povos originários, pela Amazônia em pé, pelas florestas, pelos rios e pelos seres que ali vivem. Lutar pela floresta é lutar pelas pessoas — porque a vida é uma só, com muitas formas.
Mas ser Majé também é caminhar sobre uma linha muito fina — entre o visível e o invisível, entre o físico e o espiritual. A cada passo, é preciso sabedoria, porque a responsabilidade é imensa. Herdamos esse dom das nossas ancestrais, junto com seus sonhos, suas dores, suas frustrações e, sobretudo, seu legado de amor e cura.
Nem sempre é fácil. Já recebi ameaças de morte. Quando curo com a natureza, toco nos interesses das grandes indústrias farmacêuticas, nos sistemas que lucram com a doença. Muitas curandeiras desapareceram misteriosamente. Fazer o bem, às vezes, é perigoso. Mas sigo firme, porque sei que essa missão vem de antes da minha própria existência.
Na cidade, a luta é outra. Preciso me sustentar, comprar materiais para preparar minhas medicinas. Mesmo assim, atendo pessoas em situação de rua, comunidades periféricas, quem não pode pagar.
Acredito que a cura não é privilégio — é um direito.
A ingratidão é uma das primeiras lições de quem caminha no caminho da medicina. Quando aprendemos a lidar com ela, aprendemos também a confiar. A fechar os olhos e seguir. Porque acreditar é também uma forma de cura.
Cada vez que vejo a mudança real na vida de alguém, renasce em mim a esperança. É isso que me move.
Os Sonhos que Se Transformam em Pontes
Hoje, sonho em abrir uma cadeira de Medicina Tradicional Brasileira dentro das faculdades de medicina, para que nossa sabedoria ancestral seja reconhecida e transmitida com dignidade.
Quero criar um intercâmbio entre a medicina tradicional brasileira e a medicina tradicional chinesa, para mostrar que a sabedoria dos povos é universal e interconectada.
Quero também expandir o projeto das hortas medicinais para todas as comunidades que necessitam de cuidados básicos de saúde e formar mais curandeiras e curadores pelo país — para que a cura caminhe em rede, como a própria floresta.
Meu último grande sonho é criar uma Enciclopédia Mundial da Medicina Tradicional — escrita por curandeiras e curadores, não por pesquisadores de fora. Este é um dos projetos que estou dedicando tempo para escrever na forma de um livro, para que esse legado fique para os nossos filhos e os filhos deles.
Eu sou A-yá Kukamíria, Majé do povo Kukama-Kukamíria, embaixadora das águas do Amazonas, mulher medicina, parteira e guardiã dos saberes antigos.
Minha palavra é semente.
Minha missão é fluir como o rio e curar como a terra.
A-yá Kukamíria é Majé (o feminino de Pajé) do povo indígena Kukama – Kukamíria da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. É curandeira, parteira e benzedeira, com o dom da cura herdado de uma longa linhagem de mulheres medicina. Membro mais jovem do conselho de seu povo, A-yá combina a sabedoria milenar da floresta com o conhecimento contemporâneo, sendo também formada em psicanálise xamânica. Atualmente residindo em Manaus, atua como Embaixadora das Águas do Estado do Amazonas e é uma militante incansável pela causa indígena, pela preservação da Amazônia e pela oficialização da Medicina Tradicional Brasileira. Sua missão é levar a cura ancestral para aldeias e comunidades urbanas, com foco na soberania alimentar e medicinal por meio de projetos de hortas medicinais em zonas de risco, como o projeto “Saberes Ancestrais”.
Como Apoiar A-yá e Povos Originários/Quilombolas
A luta pela Amazônia em pé, pelos rios e pela vida dos povos originários e quilombolas é constante. Você pode apoiar a A-yá e seus projetos de diversas formas:
- Apoio Direto e Projetos: Siga os canais de A-yá para informações sobre doações diretas, campanhas de financiamento para seus projetos (como a expansão das hortas medicinais) e o apoio à escrita de seu livro/Enciclopédia.
- Apoie Organizações Maiores: Contribua com entidades de defesa dos povos, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ).
Contato e Links Essenciais
- Instagram de A-yá Kukamíria: @aya.medicinatradicional
- E-mail de Contato Profissional: ayakukamiria@gmail.com





